Oi pessoal!
Aqui é a Ju do Tutu da Ju mais uma vez e dessa vez vim propor uma reflexão.
Muito se ouve por aí que o ballet parou no tempo, que o ballet não evolui, que é tudo sempre a mesma coisa. Mas vou mostrar que não é bem assim!
É claro que tem coisas que continuam as mesmas, até por uma tradição do ballet e eu sinceramente fico muito feliz de não terem mudado. Mas tem muita coisa por aí que mudou SIM e é isso que eu vou mostrar aqui neste post!
1) A valorização de quem dança
Parece soar estranho escutar isso; mas quando o ballet estava nos seus primórdios, até os anos 1680, a mulher poderia até dançar socialmente as danças da corte, mas não publicamente nos palcos. Isso porque não era considerado apropriado.
Até este período, quem fazia os papéis de mulher eram os próprios homens usando máscaras (as máscaras eram usadas para interpretar papéis de ambos os sexos na verdade) e saias.
Em 1681, a primeira mulher dança nos palcos. Foi Mademoiselle de la Fontaine quem fez isso primeiro e é considerada a primeira-bailarina de todos os tempos. Mas ainda assim, os papéis de destaque eram dos HOMENS! A mulher era uma figura acompanhante do homem. Estava lá apenas para ser graciosa e ainda era raro ver mulheres no palco.
Mais tarde e aos poucos as mulheres foram se destacando na dança e chegamos à Era Romântica. Nesta fase, a mulher vira o centro das atenções. Ela tem todos os destaques, os solos, começa a dançar na ponta… O mesmo que aconteceu nas outras artes, como a poesia, a música e o teatro, aconteceu no ballet também: a supervalorização do amor e da figura feminina. O homem, nessa época, é que é um mero cavalheiro acompanhante. Estava lá no palco para fazer a mulher brilhar.
Veio Petipá e dentre outras inovações fez o homem a ser valorizado também. Mas sem deixar a mulher de lado. Agora, mulher e homem têm a sua vez de brilhar no palco, tendo ambos a possibilidade de variações.
Além disso, não só os solistas e primeiros bailarinos tiveram a sua vez; mas também o corpo de baile, que antes de Petipá era só um pano de fundo, passa a ter os holofotes também. O corpo de baile mais famoso de Petipá, o do Reino das Sombras de La Bayadére, é uma verdadeira aula de ballet e o corpo de baile realmente dança!
Acredito eu que isso tudo tende a continuar assim, pois todos os bailarinos têm a sua devida importância no ballet! Um ballet não existe sem o corpo de ballet, sem os solistas e sem os primeiros bailarinos! Todos importam!
2) Os corpos dos bailarinos
Hoje vemos nos palcos das grandes escolas e companhias de dança geralmente bailarinas sempre magras, longilíneas e altas. Mas será que sempre foi assim?
É claro que o ballet vai ter sim as suas exigências estéticas, principalmente se tratando do ballet profissional. Mas uma das coisas que pode influenciar nisso sim é o padrão de beleza da sociedade em cada época.
Quando Marie Taglioni começou a dançar por volta de 1830, acreditavam que ela não poderia ser bailarina, pois era muito magrinha e não teria forças para isso.
Pierina Legnani foi a bailarina que realizou os 32 fouettés no palco pela primeira vez lá no final dos anos 1800. Ela estava longe de ter um físico magro como as bailarinas de hoje e foi uma grande bailarina a sua época.
Já houve épocas em que bailarinas e bailarinos negros também não eram muito aceitos por destoarem do corpo de baile. Um racismo disfarçado! Mas hoje, isso está mudando aos poucos e já temos grandes bailarinos negros também, como a Ingrid Silva.
Também já foi dito que bailarinas baixinhas se dariam bem pela leveza e agilidade, que bailarina tinha que ser baixinha! Quem me dera! Brincadeiras à parte, vejo que hoje as grandes companhias internacionais, estão de uma maneira geral preferindo as mais altas (de 1,65m pra cima para as mulheres e de 1,80m para os homens). Mas se você for baixinha como eu e dançar bem, nada impede de você entrar numa escola ou companhia como solista!
Quanto a isso, eu não vou fazer uma previsão tão certeira, porque não sei se tem como acertar isso. Mas creio que as bailarinas e bailarinos vão de uma maneira geral, continuar sendo magros.
Mas, saindo do ballet profissional e indo para o amador, quem dança como hobby que nem eu, não há qualquer impedimento de qualquer tipo de corpo de dançar! Se você quer fazer ballet porque você gosta sem a pretensão de ser profissional, você pode ter o biotipo que for! Basta querer dançar! Isso é um ponto positivo, porque vejo que tem cada vez mais gente dançando e o ballet adulto está cada vez crescendo mais!
3) As sapatilhas de ponta e as ponteiras
Existiu o ballet antes das sapatilhas de ponta! Chegou-se a dançar ballet com sapatos com pequenos saltos até eles serem totalmente substituídos pelas sapatilhas de ponta.
Embora Marie Taglioni não tenha sido de fato a primeira que usou as pontas pela primeira vez, foi ela quem as popularizou. Já pensou em como eram as pontas que ela dançou em 1830? Com certeza não eram como as de hoje! Tinha muito menos área de contato com o chão e devia ser muito mais difícil e doloroso de subir! Ponteiras então? Nem sonhavam em existir! No máximo era algodão ou pedaços de tecido nos dedos! Hoje temos ponteiras para todos os gostos: grossa, fina, de silicone, de gel, de pano…
Lá por volta de 1860 as sapatilhas ficaram mais próximas das que temos hoje, com altas tecnologias, algumas até abandonando os materiais mais tradicionais como camadas de tecido e cola, usando agora Polímero Elastomérico Termoplástico, uma espécie de plástico moldável que faz com o que a ponta fique mais confortável e dure mais. Se tem dias que eu já peno para subir numa ponta com todas essas novas tecnologias e com ponteira, imagina subir numa dessas de antigamente sem ponteira?
4) Os figurinos
Até o século XVII, os figurinos de ballet eram muito pesados e volumosos, o que dificultava muito a execução dos passos. E mesmo por isso não havia passos tão elaborados. Nesta época, as saias das bailarinas só mostravam apenas um dos pés!!!
Por volta de 1736, uma bailarina, a Marie Anne de Cupis de Camargo, ou La Camargo, foi a responsável por encurtar as saias até a altura dos tornozelos! E foi ela também quem começou a executar alguns saltos, antes só feitos por homens, como o cabriole e o entrechat. Isso porque a saia mais curta possibilitava esses movimentos!
Até os anos 1770 os bailarinos ainda usavam inclusive máscaras e perucas, o que fazia com que as expressões faciais não ter uma grande relevância – como se expressar através de máscaras?
Neste momento, esses acessórios foram abandonados e os trajes passaram a ser menos volumosos, menos pesados e menos extravagantes, dando lugar a saias mais soltas, mais curtas, mais parecidos com o que temos hoje!
Chega a Era Romântica e não tivemos grandes inovações no cumprimento do figurino, mas sim no material. Marie Taglioni dança La Sylphide pela primeira vez e Eugene Lami desenhou seu figurino: uma saia também na altura dos tornozelos feita de tule, junto a um corpete – o que conhecemos hoje como tutu romântico nascia naquele momento.
Mais tarde, Petipá se torna um renomado coreógrafo e traz mais uma inovação nos figurinos: agora as saias são acima dos joelhos! Estava começando a nascer o que hoje chamamos de tutu clássico ou tutu bandeja! Isso porque Petipá valorizava além de outras coisas também a técnica de quem estava dançando. Como mostrar se os joelhos estão esticados se a saia antes cobria até os tornozelos? O tutu romântico não estava abolido (tanto é que ainda o vemos em muitos ballets), mas este coreógrafo com certeza preferia o tutu bandeja por mostrar mais as pernas da bailarina e consequentemente a execução dos passos.
Ainda mais tarde, outro grande mestre do ballet estava para surgir trazendo novos conceitos: Balanchine! Este grande mestre queria também unir alguns novos pensamentos aos conceitos tradicionais do ballet – ele colocava em suas coreografias elementos do jazz e por vezes até mesmo de acrobacias. Por isso não dava mais para manter o tutu bandeja de Petipá. Este figurino estava antiquado demais para Balanchine. Criou então o próprio tipo de tutu, muito similar ao já existente tutu sino: sem aro para armá-lo e com poucas camadas de tecido. Balanchine também usou muito o já existente tutu romântico, bem como malhas e túnicas, já que seus ballets no geral tinham muita movimentação.
Sobre o figurino, penso que possivelmente não haverão grandes inovações diferentes do que já temos hoje em dia. Os figurinos que já temos já permitem uma grande movimentação e uma execução de um grande número de passos. O uso de algum tipo de figurino vai depender do que aquele tipo de coreografia pede e a existência de um certo tipo de figurino não faz com que o outro tipo de figurino deixe de existir! Cada um vai ser bom no meu momento adequado de usá-lo.
5) O surgimento dos ballets de repertório e os novos ballets de repertório
Para quem possa achar que ballet clássico é só ballet de repertório talvez não conheça a história do ballet muito bem. Pois nem sempre foi assim ao longo da história e mesmo hoje não temos só ballets de repertório! E, além disso, por mais que algumas vezes pareça que não, ainda são criados SIM novos ballets de repertório!
Mas afinal, o que são ballets de repertório? Quem primeiro começou com esse conceito foi o mestre Jean Georges Noverre, para quem o ballet tinha que contar uma história, com começo, meio e fim, tendo em todos os atos ações dramáticas e com os personagens que todos estivessem ligados ao fio condutor dessa história. La Fille Mal Gardée foi o primeiro ballet de repertório montado por um aluno de Noverre, Jean Dauberval, seguindo esses conceitos. Depois dele vieram muiiiitos outros!
Mas antes de Noverre também haviam ballets que não eram de repertório, apenas coreografias dançadas para divertir o público e mostrar os talentos dos bailarinos sem contar uma história. Hoje ainda temos esses ballets, como alguns dos ballets de Balanchine, por exemplo, e não há nada de errado nisso! No ballet Jóias não há um história a ser contada e nem por isso deixa de ser lindo!
E quanto aos novos ballets de repertório, há sim novos! Um exemplo disso foi a criação de Alice no País das Maravilhas pelo Royal Ballet School em 2011. A história já existia e muita gente já conhece. Mas ninguém havia montado um ballet sobre isso. Há nele uma mistura da história antiga que a gente já conhece e um pouco com elementos da modernidade que temos na dança hoje!
Mas, então porque são quase sempre os mesmos ballets que são dançados por aí? Porque temos milhões de Lago dos Cisnes e Quebra Nozes sendo repetidos todos os anos em todo o mundo e não vemos tanto assim os novos? Primeiramente, questão de tradição mesmo! O ballet é sim uma arte tradicional e muitas delas continuam sendo mantidas sim! E sinceramente isso me encanta e MUITO no ballet! Outro motivo é: direitos autorais! Para você dançar um novo ballet você tem que ter autorização, de quem o fez ou da família de quem o fez! E custa caro! Para você dançar um ballet de Balachine, tem que pagar! E outro motivo também: os ballets mais antigos já estão no domínio público. Falando de forma mais simples, não são propriedade de ninguém! A não ser que algum grande coreógrafo faça a sua própria versão dele, como Matthew Borne, que criou a sua própria versão de Lago dos Cisnes, em que ele fez uma versão completa de personagens masculinos, mantendo a essência da história original, mas com uma coreografia totalmente nova!
6) A evolução da técnica
Depois de vermos todas essas mudanças no ballet, desde o figurino às sapatilhas, podemos ver notavelmente que a técnica teria que evoluir também. Subir numa ponta da Marie Taglioni e realizar 32 fouettes jamais seria possível, pois a estrutura da sapatilha não permitia isso. Realizar baterias nas saias do século XVII também era impossível!
Então, menos possível ainda seria comparar uma bailarina como Pierina Legnani, a primeira a fazer os 32 fouettes, com uma Marianela Nunes de hoje! Pois exatamente tudo era diferente nesses dois contextos! Inclusive a técnica!
Nesse quesito, acredito que com o tempo os bailarinos vão ser cada vez mais exigidos, pois cada vez mais os passos vão então ficando mais difíceis e mais elaborados junto com a evolução da dança como um todo. Não dá para dizer que o ballet vai ficar igual para sempre. Então, os bailarinos têm que acompanhar isso!
7) As aulas de ballet
Embora a estrutura de uma aula de ballet com barra, centro e diagonal pareça a mesma desde sempre e que vai continuar assim para sempre, a verdade é que á dá para vislumbrar algumas mudanças nesse sentido.
Pode ser que a estrutura essencial da aula continue a mesma, mas novos conceitos estão sendo introduzidos nesse tipo de aula, porque afinal de contas, ballet não é só técnica; o bailarino não é só um atleta, mas também um artista!
Não faz sentido exigir só a técnica pela técnica se também precisamos como artistas que somos, de expressão facial e corporal e também de leveza. Além disso, também precisamos de força, de resistência e de ter uma consciência corporal adequada a aguentar tudo isso que o ballet exige. Se além disso tudo, temos que lidar com a evolução da técnica e com passos mais difíceis, porque a aula de ballet teria que ser a mesma para sempre?
Novos conceitos como barra a terre, preparação física e dedicar menos tempo na barra e mais no centro, estão sendo introduzidos para modificar a aula e deixá-la mais eficaz a essa nova realidade do bailarino.
Acredito, então, que as aulas vão sempre ter que acompanhar essas mudanças, de forma que cada vez mais estarão mais aprimoradas e atendendo mais as necessidades dos bailarinos.
Separei também alguns vídeos que complementam tudo o que eu disse para que vocês possam assistir e refletir:
https://www.youtube.com/watch?v=4M6bLml_JWc
https://www.youtube.com/watch?v=5thlDekSnVU
Espero neste post ter esclarecido algumas ideias para você. E aí? Continua achando que o ballet parou no tempo?